Editorial

A relativização de tudo

Em entrevista concedida ontem a uma rádio de Porto Alegre, onde tem hoje sua primeira agenda em território gaúcho desde que tomou posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tratou de uma série de temas importantes para o Rio Grande do Sul. Entre eles, por exemplo, que em julho o governo federal irá lançar uma nova versão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e que, dentro deste, o Estado deve estar entre os que mais terão recursos previstos para investimentos em infraestrutura, com algo em torno de R$ 5,7 bilhões. Embora não dito nesta entrevista, a expectativa pelo que já foi anunciado previamente pelo governo é que isso inclua obras como a nova ponte entre Jaguarão e Rio Branco e a conclusão da duplicação da BR-116. No entanto, uma declaração presidencial chamou atenção negativamente. Ao comentar sobre sua relação e apoio a Nicolás Maduro, presidente da Venezuela cujo governo reconhecidamente usa de métodos ditatoriais, Lula disse: "o conceito de democracia é relativo".

Na tentativa de não se colocar em oposição a Maduro, com quem tem boa relação e conversa em busca da reaproximação Brasil-Venezuela, Lula se equivoca. Contemporiza sobre um tema caro não só aos venezuelanos, mas sobretudo a todos os brasileiros. Ou já caiu no esquecimento a articulação golpista dos últimos anos e o ataque às instituições em 8 de janeiro? Os que lá estavam, vale ressaltar, diziam estar em defesa da democracia. Aquela em que se encaixam seus conceitos relativos.

Embora nem opositores - ao menos os não extremistas - sejam capazes de atribuir a Lula ações de viés golpista ou que atentem à independência entre Poderes, é importante que declarações como a do presidente gerem reflexão. Democracia não pode ser algo relativizado. Aliás, essa transigência sobre ela e tantos outros temas é uma das razões que tem levado a sociedade a cegar perante abusos institucionais e políticos. Mais que isso: a tolerar toda sorte de ataques a conceitos diretamente ligados à democracia e convivência em sociedade. Cite-se, principalmente, direitos humanos e tudo que os envolvem. Estão aí os inúmeros casos recentes de preconceito a LGBTs, o racismo, o neonazismo. Algo que, para aqueles que cometem tais absurdos, tornou-se mais presente e aceitável nos últimos anos justamente por ser minimizado, tolerado. Comportamentos muitas vezes defendidos como questões de "ponto de vista" ou "liberdade de opinião".

A experiência recente de relativização de tudo a partir de conceitos políticos ou ideológicos que atendam a determinados grupos mostrou-se uma experiência trágica em tempos recentes. E manter olhar atento a isso é compromisso de toda a sociedade.

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